terça-feira, 16 de abril de 2024
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25 anos – Quando Berlim pulou o muro

(Fonte: Gopixpic)

“Mr Gorbachev, derrube este muro!”

Com palavras fortes e a postura característica de um ator hollywoodiano que fora no passado, o então presidente americano Ronald Regan dirigia ao então líder soviético Mikhail Gorbachev, diante de um abandonado e sujo Portão de Brandenburgo, o pedido de abertura das fronteiras maciças de concreto que separam, não apenas Berlim e a Alemanha, mas o mundo inteiro.

Não era o primeiro mandatário ianque que pisava firme contra a divisão cruel imposta pelo comunismo em um discurso do lado ocidental do país germânico, mas para o bem da história e do povo alemão, seria o último a o fazer. Dois anos depois, berlinenses dos dois lados da fronteira, independente da política vigente, deram as mãos e, mesmo sem saber como, carimbaram uma das páginas mais emocionantes da história. Há 25 anos, sem balas, nem sangue e nem guerra, caia, para a alegria do mundo, o muro de Berlim.

Era o “respirar fundo” de uma nação que aguentou presa por 28 anos a pressão de ter de conviver com amigos, parentes, compatriotas separados por uma dura e “miticamente” impenetrável parede de concreto de mais de três metros de altura e 155 km de extensão que cortava impiedosamente a capital alemã. Além do mais, a queda da barreira, feita praticamente sobre pressão insustentável ao parlamento alemão-oriental, resultou na consolidação do efeito dominó que varreu as últimas ditaduras comunistas da Europa, incluindo a própria URSS, em 1991.

Ronald Regan discursa diante do Portão de Brandenburgo em 1987. Palavras soaram como desafio a Gorbachev (Young American Foundation)
Ronald Regan discursa diante do Portão de Brandenburgo em 1987. Palavras soaram como desafio a Gorbachev (Young American Foundation)

Separação litigiosa

Edificado a contragosto de uma cidade inteira e do mundo em 1961, o muro de Berlim, nas palavras do então presidente americano John Kennedy, “não era uma solução muito linda, mas mil vezes melhor que uma guerra”. E, de certo modo fazia sentido. Com o fim da Segunda Guerra e com uma Alemanha devastada, a ocupação entre os aliados (EUA, França, Inglaterra e URSS) não era mais tão amistosa como antes. Em 1949, Josef Stalin queria por todas as formas bloquear Berlim, tendo ela como o mais valioso troféu de vitória após o conflito. A insistência americana, por um momento, evitou um colapso total de toda a capital alemã, que ficava inteiramente do lado soviético dos territórios ocupados.

Americanos a frente, soviéticos ao fundo. Um momento extremo de conflito em 1961 que mudou a história do mundo, e da Alemanha (Plano Brazil)
Americanos a frente, soviéticos ao fundo. Um momento extremo de conflito em 1961 que mudou a história do mundo, e da Alemanha (Plano Brazil)

No lado oriental, nem todos eram simpáticos com as ideologias comunistas, sonho de muitos alemães antes do nazismo e que agora encontravam pista livre para a implantação em, ao menos, um espaço do país. Mas, apesar de toda a contenção possível dos soviéticos, a fuga de alemães orientais era massiva e as tensões com os EUA, que em 1961 colocaram o mundo em tensão com um temível encarar de tanques no centro berlinense, chegaram a um pico insuportável. Ideias e acordos não funcionavam, e a saída mais “viável” aos comunistas era a separação, mesmo que forçada, do lado oriental da cidade e, de maneira efetiva, de todo o país, já separado constitucionalmente desde 1949. Assim foi o feito, na madrugada fria de 13 de agosto de 1961, soldados soviéticos e do exercito alemão-oriental, bem como as forças alemãs-ocidentais, bloqueavam a fronteira interna de Berlim, começava o levantar ainda lento e doloroso da barreira mais odiada da história.

A separação seria o calvário de mentira que o então primeiro-ministro alemão-oriental Valter Ulbricht carregaria a vida inteira, ele que sempre alegara que não sabia e não era favorável a construção de uma fronteira física como o muro para “separar o país”. Tendo terminada a edificação do muro, a preocupação maior do lado comunista seria a de manter “encarcerada” a população, impedindo-a de cruzar até mesmo a fronteira ao lado ocidental, por qualquer razão que a fosse.

O levantar do muro de Berlim, na região do Portão de Brandenburgo, 1961 (Imago História)
O levantar do muro de Berlim, na região do Portão de Brandenburgo, 1961 (Imago História)

Mas, mesmo com o fortíssimo investimento em segurança e proteção da fronteira comunista, os que conseguiam atravessar o muro (e até mesmo parentes dos que morreram tentando) deixaram para a história contos fantásticos de fuga, utilizando todo e qualquer meio possível para penetrar o impenetrável. O número é cruel, mas ao menos 136 pessoas perderam a vida buscando a liberdade ao tentar alcançar o lado ocidental. Isto porque a resposta do exercito alemão-oriental era clara: Tentou, esta morto.

Castigo da história e a queda

O muro, e todo o universo de sonho do comunismo eram a ilusão que povoava a mente do então líder alemão-oriental Erich Honecker. Alias, vale lembrar que grande parte do investimento em segurança da Alemanha Oriental tinha dois caminhos: o da inteligência em nome da “proteção nacional” conferida pela “Stazi” (polícia política), e no reforço do aparato militar e de equipamentos e estrutura do próprio muro no lado comunista. O padrão de vida alemão-oriental viveu durante os anos 70 e princípio dos 80 uma leve prosperidade, maquiada por sobre a falta de liberdade e vigilância de cada passo da população, onde todos podiam ser suspeitos de qualquer atividade ilegal.

Eric Honecker (de óculos) cumprimenta Leonid Brejnev, lider soviético, uma aliança que trouxe certa prosperidade, temor e vigilancia na Alemanha Oriental (Arquivos Federais da Alemanha)
Eric Honecker (de óculos) cumprimenta Leonid Brejnev, lider soviético, uma aliança que trouxe certa prosperidade, e junto dela, temor e vigilância na Alemanha Oriental (Arquivos Federais da Alemanha)

No entanto, os anos 80 marcaram o desmantelamento gradual da chamada “cortina de ferro”, iniciado ainda que timidamente por Lech Walesa e o sindicato Solidariedade nos estaleiros de Gdansk, na Polônia. Era o início da estagnação do modelo comunista, que aos poucos começava a ruir por todo o oriente europeu, e a estrada das mudanças teria de passar pela Alemanha Oriental, mesmo que Honecker não quisesse.

Mas, antes da queda propriamente dita do muro, dois fatos corroboraram fortemente com o apressar deste processo. O primeiro, não muito relevante, seria um recado dado a Honecker pelo então primeiro-ministro soviético Mikhail Gorbachev, na festa de 40 anos da Alemanha Oriental, em meados de 1989. O líder comunista alemão solicitava novamente o apoio dos soviéticos para manter a ordem no país que aos poucos começava a convulsionar clamando por mudanças. Gorbi, como era conhecido em Moscou, tomou como exemplo a “perestroika” e a “glasnost” que conduzia na URSS e foi direto e categórico no aviso, “os que se atrasam são castigados pela própria história”.

Abertura das fronteiras entre Áustria e Hungria, meses antes da queda do muro. Era o primeiro passo (Bundesregierung)

O outro, seria o start definitivo para a eminente queda do muro. Anos fechada, a fronteira entre a Hungria e a Áustria era aberta para o livre tráfego, na prática, do oriente para o ocidente. O fato aconteceu em agosto de 1989 na cidade húngara de Sopron e marcou o que foi considerada uma brecha diante das fronteiras bem bloqueadas entre comunismo e ocidente durante anos. E o mais espantoso, nas três horas em que ficou aberta pela primeira vez, mais de 600 alemães-orientais aproveitaram a chance, cruzando dentro de terras húngaras e cortando caminho por Viena, para chegar ao ocidente.

A pressão era insustentável, o país estava literalmente insustentável, e Honecker, contrariado nas filosofias que adotara, se demitiu do cargo em outubro de 1989. Largou a responsabilidade de uma solução para o fim da pressão nas mãos do sucessor, Egon Krenz, mas logo ele se viu perdido diante da convulsão que tomou conta das ruas e do Politiburo alemão-oriental. Sem saída, Krenz não viu outro caminho, “vamos abrir o muro” era como se ele havia dito. Não disse quando, mas foi o suficiente para uma cidade inteira tomar a ruas de assalto em direção a fronteira.

Era a receita para um verdadeiro banho de sangue. Sem aviso e sem informação de quando e como seria a abertura do muro, o exercito alemão-oriental não sabia exatamente o que fazer. Mas a orientação que ficou diante do desencontro de informações era uma: “um carimbo simples antes que cruzem a fronteira”, instrução que, depois de milhares e milhares de pessoas atravessando o muro, foi descartada. Simbolicamente, e na maior festa possível entre berlinenses dos dois lados, caia o muro da vergonha, a “Bastilha” alemã que por 28 anos dividiu o mundo.

A Alemanha cosmopolita e forte economincamente comemora com balões os 25 anos da queda do muro (Viagem em Pauta)

O gesto, lembrado neste ano num misto de alegria, saudosismo e novas esperanças, foi o estopim para o processo caro, porém esperado há anos, de reunificação da Alemanha, hoje uma potencia econômica e uma das vozes maiores das decisões europeias e mundiais. Isto, sem contar que a queda do muro também representou também o fim sem volta do comunismo em todo o leste europeu. Marcas de um simples gesto que, passados 25 anos, ainda tem um significado mais do que importante, não apenas para o estado atual do mapa e das relações entre países no mundo, mas também como símbolo da união entre iguais numa nação forjada em guerras, períodos negros e trabalho.

Regan pediu, Gorbi nem precisou atender, o muro caiu e a Alemanha é uma só.

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